sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Intérpretes mostram preocupação com
eventos no Brasil

  • Para associação, podem faltar profissionais em Copa e Olimpíadas

RIO - Nas Olimpíadas de 2016, estarão reunidas no Rio delegações de cerca de 200 países. Além de questões como infraestrutura e segurança, há outra preocupação: se haverá intérpretes suficientes para fazer com que tanta gente, falando diferentes idiomas, se entenda. Ontem, a cidade celebrou a edição brasileira da comemoração do 60º aniversário da Associação Internacional de Intérpretes de Conferência (AIIC). A entidade aproveitou para enumerar os desafios do Rio e do país para quebrar a barreira da língua e receber bem os visitantes estrangeiros nos futuros grandes eventos.
Só o Comitê Organizador Rio 2016 estima contratar cerca de 500 intérpretes. Embora a AIIC (com mais de 3 mil membros no mundo e 73 no Brasil) afirme não haver dados precisos sobre o número de profissionais na cidade, os organizadores das Olimpíadas acreditam que o evento deve absorver quase a totalidade de intérpretes do Rio — para traduções em inglês, francês, espanhol, português, russo, chinês, japonês, árabe, alemão e libras (linguagem de sinais). Ainda haverá demanda em centros de turismo e órgãos do município e do estado, o que leva o comitê a calcular que será necessário trazer tradutores de outras cidades.
‘Não pode haver mal-entendido’
Já Richard Laver, representante do conselho da AIIC no Brasil, afirma que, com relação à quantidade e qualidade dos intérpretes, a cidade está pronta. Mas ressalta que, para eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, faltam profissionais para trabalhos que ele chama de “comunitários”, em aeroportos, fronteiras, delegacias de turistas e hospitais:
— Haverá voluntários, que ajudarão nas ruas. Mas se um estrangeiro tiver um problema de saúde e precisar ir a um hospital, um intérprete será o mais adequado, porque não pode haver mal-entendido.
A presidente da AIIC, a inglesa Linda Fitchett, veio para a festa no Rio. Com base em suas observações dos últimos eventos internacionais realizados no Brasil, ela diz que o país desempenhou bem seu papel. Mas ressalta que, a partir da Copa do Mundo, as responsabilidades serão maiores:
— Por isso os estudantes têm que recebe o máximo de apoio.
Hoje, segundo a AIIC, além de cursos de formação de intérpretes, há duas pós-graduações em universidades particulares cariocas. Mas a profissão ainda não é regulamentada. E, diz Richard, o governo federal a inclui na Lei de Serviços Gerais.
— Ou seja, nas contratações é observado apenas o melhor preço, o que não é uma garantia de qualidade do serviço — conta, ressaltando uma má interpretação pode gerar gafes, mal-estar e até prejuízos em negociações.
A AIIC foi fundada em 23 de novembro de 1953, na Unesco, em Paris, para garantir melhores condições de trabalho e remuneração para os intérpretes. Muitos de seus fundadores trabalharam no Tribunal de Nuremberg, que julgou os crimes nazistas.
Leia abaixo a entrevista com com Linda Fitchett, presidente da Associação Internacional de Intérpretes de Conferência.
No que se refere à participação dos intérpretes, o Rio deu conta do recado nos últimos grandes eventos internacionais que realizou?
Do que ouvi falar e vi, sim. Mas ano que vem, (o evento, a Copa do Mundo) será ainda maior.
Além do trabalho dos intérpretes, a forma como as pessoas vão receber os visitantes nas ruas também é importante?
Em todos os grandes eventos, os visitantes andam pelas ruas. Na China, por exemplo, nas Olimpíadas de 2008, foi incentivado que as pessoas, mesmo as comuns, aprendessem sentenças básicas de vários idiomas, como cumprimentos e informar onde ficava o metrô ou o ponto de ônibus. Isso cria uma boa imagem para o país. E significa que as pessoas também estão envolvidas.
Deficiências no ensino de idiomas podem explicar dificuldades para a comunicação durante grandes eventos?
Em vários países, e no meu também — sou inglesa — não damos importância suficiente para o ensino de idiomas. Além de intérpretes, há outras atividades que precisam dessa competência de idiomas. É muito importante, por exemplo, no comércio.
Que instrumentos são necessários para a formação de bons intérpretes?
Ser um intérprete não é questão só de saber outro idioma. São necessárias boas habilidades de comunicação, rapidez, entendimento das mensagens, e não apenas das palavras. Para isso, em primeiro lugar, é preciso bom treinamento. O que significa que os intérpretes praticantes também dediquem tempo para formar os novos.
Qual a importância para o Brasil formar intérpretes?
A língua é muito importante. É a forma que cada país e nacionalidade se expressa e cria uma imagem própria para o mundo. Os americanos e ingleses usaram a língua para influenciar o mundo. Como o Brasil se torna cada vez mais importante para o mundo, quer transmitir uma imagem positiva de si. Pode fazer isso com sua própria língua. Mas como o português não é um idioma muito falado, os intérpretes são fundamentais para espalhar a mensagem.

domingo, 6 de outubro de 2013

Tradutores simultâneos: as dores e as delícias da profissão30. 09. 2013
Literatura

Walter Craveiro (Flicker FLIP)
Autores durante a Mesa Livro de Cabeceira, na Flip 2013
Por Maria Fernanda Moraes
 
Na edição deste ano da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), um episódio peculiar chamou a atenção dos espectadores durante a mesa Livro de Cabeceira, que fechava a festa. A tradicional mesa convida alguns escritores que participaram do evento a lerem trechos de seus romances favoritos. O francês Laurent Binet passou a ler o seu excerto  e, depois de alguma confusão, a intérprete responsável precisou fazer a tradução livre da passagem de improviso. O público, percebendo a saia justa, aplaudiu muito no final.
 
A confusão aconteceu porque geralmente, nesses momentos, a organização do evento antecipa a tradução do trecho aos intérpretes, a fim de que tudo fique o mais fiel possível à obra. Branca Vianna e Anna Vianna eram a dupla de intérpretes na ocasião (na cabine de inglês e português, respectivamente). Anna explicou que os organizadores entraram em contato com a editora em Portugal que tinha a obra traduzida, mas foi enviado o trecho errado.
 
“O autor começou a ler em francês e eu, na cabine, ia lendo o que haviam me entregado, mas logo percebi que estava com o trecho errado nas mãos. Optei por parar e avisar, já que fazer um autor russo, [traduzindo a partir] do francês, de improviso, seria leviano. Depois de muito 'corre-corre', trouxeram um iPad com a foto (fora de foco) do livro original, ou seja, em francês mesmo, mas pelo menos dava para acompanhar melhor.”
                                                                                                           Xavier Granet
Apesar da profissão não ser regulamentada, há graduações ligadas ao curso de Letras e especializações
 
Essa certamente não foi a primeira nem será a última situação engraçada na carreira de Anna. “Teve uma vez que eu estava em um evento num resort na Bahia. No final, haveria um show do tipo 'stand-up comedy' e pediram que os intérpretes vertessem para o inglês para os executivos estrangeiros. Lá pelas tantas, uma produtora nos avisou que não precisávamos mais verter e que estávamos convidados para a festa. Pois bem, tomamos champanhe e antes de dar tempo de comer, a produtora voltou toda nervosa dizendo que os executivos decidiram ficar e que queriam tradução. Fazer o quê? Eu já estava tontinha, cabeça leve, mas enfrentei o desafio, e acho que o fato de ter bebido melhorou muito a qualidade daquele trabalho específico. Fiquei bem solta, lembrei de todos os palavrões necessários em inglês e ri muito. Há males que vêm para o bem!”, lembrou Anna.
 
DETALHES DA PROFISSÃO
 
Para desvendar os mistérios da profissão, o SaraivaConteúdo conversou com a equipe de intérpretes que trabalha na Flip e ainda se divide entre outros tantos eventos espalhados pelo país.
Raffaella de Filippis Quental, que também leciona no Curso de Intérpretes da PUC no Rio de Janeiro e lida com o idioma italiano, conta que esse tipo de profissional costuma trabalhar em todas as áreas, de congressos médicos e de petróleo a reuniões de empresas, passando por palestras culturais. “Alguns podem ter mais experiência em uma determinada área, mas é muito raro o intérprete que trabalha somente num segmento”.
 
Segundo Anna, no Rio de Janeiro, por exemplo, há muitos eventos sobre petróleo, então é um assunto que os cariocas fazem bem. “O bom intérprete se prepara, estuda, monta um glossário e ‘enfrenta’ qualquer tema. As áreas mais difíceis, na minha opinião, são as humanas, como filosofia. Para mim, quanto mais técnico, melhor. Basta estudar. Eventos como a Flip são mais difíceis e exigem um tipo de profissional que tenha boa cultura, que leia muito, que conheça bem a cultura do país de onde vêm os autores. Já num evento, digamos, de tubulações para petróleo, você tem um glossário básico e não vai fugir muito daquilo”, explica.
                                                                                                  Arquivo Pessoal
Anna Vianna durante um de seus trabalhos
 
Christopher Peterson trabalha na Festa Literária Internacional de Paraty desde 2004, na cabine inglês/português, e hoje é o coordenador da equipe de intérpretes do evento. Ele diz que cada profissional tem uma bagagem única, mas acha que para traduzir eventos literários não é necessário  e talvez nem conveniente especializar-se nessa área. “A literatura é tão vasta que o mais importante para o intérprete é ter experiência em temas diversificados. A preparação para a Flip passou a estruturar minhas leituras ao longo do ano. Tento ler o máximo possível do trabalho dos autores e sobre eles, mas obviamente sempre falta mais tempo”.
 
A unanimidade entre eles é que as preferências pessoais agregam qualidade ao trabalho. “Trabalhar na Flip é sempre um grande prazer, pois adoro livros e tive inclusive a oportunidade de traduzir um dos meus escritores italianos favoritos, Alessandro Baricco. Esse prazer cria empatia com o palestrante, o que ajuda a entendê-lo e, consequentemente, traduzi-lo melhor”, conta Raffaella.
 
                                                                                                  Arquivo Pessoal
Raffaella de Filippis Quental em ação durante um evento 
 
Ela ainda completa: “No entanto, temos que estar preparados para atuar em qualquer área. Uma vez fui chamada para traduzir uma conferência na Petrobras, mas não me informaram o assunto. Eu estudei os meus glossários de petróleo, pois essa é uma área onde há muito trabalho, mas ao chegar lá descobri que seria uma palestra do escritor Fritjof Capra, que tem um trabalho muito interessante e que admiro. Foi uma grata surpresa, e o meu conhecimento prévio ajudou a compensar o inesperado da situação”.
 
Para Anna, simpatias sempre ajudam, mas antipatias não atrapalham. “A verdade é que vou até me preparar mais para o que não conheço. Mas se a antipatia for grande, o intérprete deve se manter neutro ou não aceitar o trabalho. Fazer tradução simultânea de discursos políticos também não é fácil para alguém que tenha ideologias contrárias, mas o bom profissional vai saber ser neutro e não deixar sua opinião afetar a qualidade do trabalho”.
                                                                                                   Arquivo Pessoal
Equipe de intérpretes da Flip, coordenada por Christopher Peterson
 
FORMAÇÃO
 
Apesar de não ser uma profissão regulamentada, é necessário que o intérprete tenha formação. Os cursos normalmente fazem parte da graduação em Letras, mas podem também ser de especialização (veja box ao final).
 
Na interpretação, a habilidade em línguas é classificada em A, B ou C, sendo A a língua nativa, B a língua em que a pessoa é perfeitamente fluente e para a qual pode traduzir (além da língua nativa) e C a língua que o intérprete fala e entende, mas para a qual não traduz. Um intérprete pode ter uma língua A e uma C; duas A; uma A, uma B e uma C; e assim por diante.
 
INTÉRPRETE E TRADUTOR
 
Embora todos usem a mesma ferramenta (a língua) e em geral sejam autônomos, Raffaella explica que cada profissional trabalha num campo diferente. “O tradutor simultâneo, mais corretamente chamado de intérprete, faz traduções orais em conferências, congressos, cursos etc. O tradutor de livros geralmente trabalha sozinho, em casa. E o juramentado também trabalha em casa, mas traduz basicamente documentos. Além disso, este último precisa passar num concurso da Junta Comercial para exercer a profissão”.
 
“Apesar de muitos de nós eu inclusive fazermos as duas coisas, a diferença é imensa!”, diz Anna. "O tradutor é uma profissão mais solitária. Você não compartilha suas ‘soluções’ com um colega. Na interpretação, trabalhamos em dupla e ajudamos o colega na cabine. Se o colega não souber uma palavra ou se não tiver entendido o que disse o orador, anotamos e ‘damos cola’. É um trabalho em equipe”.
 
Christopher observa ainda que é bastante incomum dar entrevista sobre a profissão de intérprete, que ele considera essencialmente "low-profile". “Acho que a tradução simultânea está funcionando melhor quando ninguém presta muita atenção nela”.